27 de fevereiro de 2012

For The Good Times

Artista: The Little Willies
Milking Bull/Parlophone, 2012


For The Good Times
Norah Jones livrou-se das sandálias baixinhas que usava e sentou-se meio de lado, com as pernas dobradas sobre a poltrona. Os pés descalços sugeriam que ela se sentia tão à vontade quanto se estivesse na sala da sua casa. Mas, antes de começar a minicoletiva de imprensa, ergueu rápida e nervosamente os cantos dos lábios, num daqueles pseudossorrisos que as pessoas tímidas geralmente usam pra tentar disfarçar o desconforto — de fato, a cantora acabou confessando que dar entrevistas ainda era um sacrifício. Mesmo assim, respondeu às primeiras questões com desenvoltura de artista tarimbada.

Perguntei, então, sobre o dueto com Dolly Parton e a inesperada sonoridade country em muitas das faixas do novo álbum, Feels Like Home [2004]. Dessa vez, Norah sorriu de verdade antes de explicar que ela e os companheiros de banda estavam ouvindo bastante um disco de bluegrass gravado por Dolly, e que por isso pensaram em convidar a diva da voz aguda pra participar de Creepin' In, canção com levada no estilo composta pelo baixista Lee Alexander. Quanto à sonoridade, era um processo natural: a cantora disse ter sido influenciada pela música country tanto quanto pelo jazz, e destacou Willie Nelson e Hank Williams, além da própria Dolly Parton, como alguns dos artistas que ela cresceu ouvindo.

Sempre tive má vontade com o country, talvez por só conhecer sua versão pasteurizada — Garth Brooks, Shania Twain e afins — ou talvez por associá-lo à música medíocre feita pelos sertanejos. Apesar do entusiasmo naquela entrevista, Norah Jones não conseguiu me convencer a dar uma chance ao gênero. Só fui mudar de opinião anos depois, com o lançamento do autointitulado álbum de estreia [2006] do The Little Willies, projeto paralelo formado por Norah, Lee Alexander, o guitarrista Jim Campilongo, o baterista Dan Rieser e o guitarrista e vocalista Richard Julian, com a proposta de recriar standards country — e se divertir fazendo isso.

Difícil não se apaixonar de primeira por pérolas como Roly Poly [Fred Rose], Best Of All Possible Worlds [Kris Kristofferson] e I Gotta Get Drunk [Willie Nelson], bem como pelas composições próprias, como a balada Roll On [Lee Alexander], que bem poderia ter saído do repertório solo de Norah, ou a divertida Lou Reed [Lee Alexander/Richard Julian/Norah Jones], um conto felliniano — ou melhor, jarmuschiano — sobre o encontro com um sujeito vestido de preto no meio de um pasto no Texas. Além de terem aberto minha cabeça pro country, os Willies fizeram com que eu passasse a me interessar pela obra de caras geniais como Hank Williams e Townes Van Zandt, de quem a banda regravou I'll Never Get Out Of This World Alive e No Place To Fall, respectivamente. E graças à versão de Streets Of Baltimore [Tompall Glaser/Harlan Howard], conheci o Gram Parsons — mas essa é outra história.

Fiquei na expectativa por um novo trabalho da banda, que parecia fadada a não voltar a se reunir: Norah terminou o relacionamento de longa data com Lee, se aventurou em outro projeto paralelo — o trio roqueiro El Madmo — e lançou The Fall [2009], recheado de sonoridades mais modernas, possivelmente indicando os novos interesses da cantora. Mas o apego às raízes falou mais alto. O guitarrista Jim ficou no pé dos companheiros, coordenou as brechas nas agendas de todos e conseguiu marcar os shows que funcionaram como aquecimento pras gravações do segundo disco do quinteto, For The Good Times.

Nem parece que seis anos separam os dois álbuns — continuam lá o mesmo clima informal de jam entre amigos, os duetos precisos de Norah e Richard e o timbre incrível que Jim arranca de sua Telecaster. Fora a ausência de repertório autoral — a única composição própria é Tommy Rockwood [Jim Campilongo] —, a principal diferença nesse novo disco talvez esteja mesmo no ouvinte. Já iniciado no country, pude perceber melhor a abordagem dos Willies em cada música — se, por um lado, foram relativamente fiéis em Wide Open Road [Johnny Cash] e na faixa-título [Kris Kristofferson], por outro, os arranjos esparsos tornaram Lovesick Blues [Hank Williams] mais lânguida e Jolene [Dolly Parton], mais sombria.

Mesmo dentre as canções que não conhecia, consegui encontrar ao menos algo familiar, como, por exemplo, os nomes dos autores de Fist City [Loretta Lynn] e I Worship You [Dr. Ralph Stanley] — a primeira teve o excelente álbum Van Lear Rose [2004] produzido por Jack White, enquanto o segundo participou da trilha sonora de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? [2000], dos irmãos Coen. O melhor, no entanto, foi mais uma vez ser apresentado a grandes expoentes do gênero, como Lefty Frizzell, o duo Lulu Belle & Scotty e Red Simpson, que comparecem no repertório, respectivamente, com o honky tonk If You've Got Money I've Got The Time [Lefty Frizzell/Jim Beck], a delicada Remember Me [Scotty Wiseman] e a tarantinesca Diesel Smoke, Dangerous Curves [Cal Martin].

Norah já declarou repetidas vezes que, pra ela, a música country é reconfortante por lembrá-la da infância e juventude que passou no Texas. Não à toa, a cantora está na capa de For The Good Times no colo dos companheiros — de pés descalços, como se estivesse em casa.


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