14 de março de 2013

As Vantagens De Ser Invisível

[The Perks Of Being A Wallflower]
Direção e roteiro: Stephen Chbosky
EUA, 2012

É estranho se dar conta de que algo que você costumava fazer quando jovem tornou-se, literalmente, coisa do século passado. A primeira fita cassete que eu gravei para alguém foi, evidentemente, para a primeira garota de quem gostei. Na época, começo dos anos 90, não pude contar com as valiosas dicas para montar repertório elaboradas por Rob Fleming, de Alta Fidelidade, romance que Nick Hornby publicaria lá pela metade da década. Mesmo assim, sem querer acabei seguindo uma delas, a de "começar com um sucesso, para prender a atenção". Escolhi Sombody To Love, e esse foi provavelmente o único título que a garota chegou a ler quando bateu os olhos na capinha (escrita à canetinha, em caligrafia caprichada), já que sua reação foi disparar: "Não suporto Queen, meu ex-namorado vivia escutando". Com um sorriso sem graça, voltei a guardar a fita no bolso, junto com os cacos do meu coração, repassando mentalmente os versos de abertura da coletânea que ela jamais ouviu: "Each morning I get up I die a little"...

Charlie, protagonista de As Vantagens De Ser Invisível, tem mais sorte: sua mixtape consegue impressionar a amiga — e objeto de interesse — Sam: "Nick Drake, The Shaggs... Você realmente tem bom gosto". Embora se passe naqueles últimos dias do mundo sem internet e seja repleto de elementos retrô, como cassetes, fanzines xerocados e montagens de The Rocky Horror Picture Show, não se trata de um filme saudosista. O diretor Stephen Chbosky, também responsável pelo roteiro que adapta o livro homônimo de sua autoria, coloca ênfase não nas coisas em si, mas no que elas significam. A máquina de escrever está lá não só porque é vintage — ela é a ferramenta do escritor por excelência, e simboliza a voz construída laboriosamente, letra por letra ("eu vou", tecla Charlie em determinado momento, com muito mais convicção do que conseguiria verbalizar). Do mesmo modo, o compacto em vinil de Something, dos Beatles, não é só um objeto cool — ao contrário das coletâneas que os personagens vivem trocando, ele representa uma declaração inequívoca, sem rodeios.

Conduzido com habilidade, o longa cativa pela trama tocante e simples (embora haja um desenvolvimento inesperado para os problemas psicológicos do protagonista), e mais ainda pelo trio principal. Logan Lerman [Percy Jackson E O Ladrão De Raios] emprega a dose certa de doçura, esquisitice e alguma comicidade para viver Charlie, calouro que entra para o high school e tem de enfrentar o dilema tipicamente juvenil de ser aceito e, ao mesmo tempo, encontrar a si próprio. Isolado, ele acaba se aproximando de Patrick, o carismático veterano gay que Ezra Miller [Precisamos Falar Sobre Kevin] interpreta com naturalidade, mesmo nos momentos mais afetados. Por tabela, conhece também Sam, meia-irmã de Patrick, por quem imediatamente fica encantado. É significativa a primeira aparição da personagem: radiante, Emma Watson [a Hermione da série Harry Potter] preenche a tela, emoldurada pelo halo criado por um dos holofotes do campo de futebol. A partir daí, a câmera, a exemplo do olhar do protagonista, sempre busca a garota.

A sensação de ser pária, cada qual à sua maneira, é o que primeiro une os três personagens — durante a festa que sela a entrada de Charlie para a turma, Sam lhe diz: "Bem-vindo à ilha dos brinquedos desajustados", numa referência à clássica animação em stop-motion Rudolph, A Rena Do Nariz Vermelho. O filme, porém, acerta ao não reduzir o drama da idade à busca por aprovação. Na sequência do baile, a caminhada desajeitada do protagonista pela pista de dança, ao som de Come On Eileen, do Dexys Midnight Runners, traduz visualmente um aspecto central da adolescência — a torrente de sentimentos que se sobrepõem, os problemas e questionamentos que desaparecem, ainda que temporariamente, numa fração de segundos.

A trilha sonora, aliás, tem papel de destaque. Charlie começa a desenvolver seu próprio gosto ao escutar Asleep em uma mixtape gravada pelo namorado loser da irmã, e consequentemente eleger os Smiths como sua banda preferida. Mais tarde, ele passa a pensar no amor enquanto ouve a seleção de baladas kitsch — incluindo All Out Of Love, do Air Supply — feita por Sam. E finalmente, resolve fazer sua própria coletânea, que entrega para a amiga fingindo casualidade. A música, portanto, é parte do processo de formação, ilustrado pela pilha de cassetes ao lado dos livros na estante do protagonista. E pode, também, ser agente catalizador de transformações, como quando Sam lembra da importância de Pearly-Dewdrops' Drops, do Cocteau Twins, em sua vida, ou, mais obviamente, no caso da "canção do túnel". Esse talvez seja o único momento em que Stephen Chbosky se mostra abertamente saudosista, ao celebrar o triunfo de descobrir, depois de muito tempo, o nome daquela música que você ouviu por acaso no rádio. Tal milagre da descoberta pode ter se tornado raro nesta época de informação imediata via web, mas não impossível, como o diretor mostra ao desenterrar a obscura Could It Be Another Change, do The Samples, para a abertura do filme (que não por acaso tem o túnel como cenário).

Não há nada de errado com a nostalgia por coisas do século passado. Afinal, como Charlie observa, "algum dia, tudo isso vai se tornar um punhado de histórias, e nossas imagens, velhas fotografias". Mas existe um instante mágico em que elas são mais do que meras histórias — e ainda bem que há gente sensível o suficiente para narrá-las.


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