28 de fevereiro de 2013

Lisa Hannigan

Quer casar comigo, Lisa Hannigan?

Peraí, antes de responder que a gente nem se conhece e tal, você precisa saber que este é um caso de amor à primeira vista. Quero dizer, primeira audição.

Durava só uns vinte e poucos segundos a sua participação em The Blower's Daughter — que eu ouvi na trilha sonora do filme Closer [dir.: Mike Nichols, 2004] —, mas pra mim foi mais do que suficiente. Os seus vocais etéreos, sublinhados pela modulação da harmonia, soavam mágicos, uma espécie de miragem em meio à desolação deprê cantada pelo Damien Rice. E tenho que confessar que, quando assisti ao videoclipe, custei a acreditar que a mulher linda de cabelos esvoaçantes na praia fosse mesmo a dona daquela voz de cortar o coração.

Quando pus as mãos em O [2003], o disco do Damien, fiquei felicíssimo ao descobrir que você cantava em mais faixas, não somente fazendo backing vocals, como em Older Chests e Cheers Darling, mas solando em trechos de I Remember, Cold Water e a minha preferida, Volcano. Na época, eu achava que você não compunha, e que no máximo escrevia alguns versos — impressão causada pela aparição do seu nome nos créditos como autora apenas da letra de Silent Night, versão que transformava a celebração natalina em briga de casal. O segundo álbum do seu parceiro, 9 [2006], já abria com você mandando ver sozinha os primeiros versos da arrepiante 9 Crimes — "me deixe pra fora junto com o lixo"... Será que era um prenúncio do que estava por vir? Porque, embora você participasse de praticamente todas as músicas do novo disco, indicando sua crescente importância no trabalho do Damien, ele não hesitou em te chutar da banda em 2007, minutos antes de uma apresentação em Munique, na Alemanha.

Deve ter sido um momento muito difícil pra você, que cresceu num minúsculo vilarejo no interior da Irlanda e mais tarde voltou pra sua cidade natal, Dublin, com a desculpa de estudar História da Arte — e com a ambição secreta de se tornar cantora. Auspiciosamente, foi em um show que você conheceu o Damien, ex-aluno da faculdade que você frequentava. Logo, os dois estavam andando juntos, fazendo música juntos e dormindo juntos, humpf. Imagino a sensação de sonho realizado quando The Blower's Daughter estourou mundo afora. Mas você já devia ter adivinhado que, com o temperamento controlador e explosivo que o sr. Rice parece ter, as coisas não poderiam acabar bem. É claro que eu passei a considerar o sujeito um idiota — por que diabos alguém em sã consciência iria querer te demitir e, pior ainda, te largar?! Ainda assim, engrossando a lista de motivos pra te admirar, ao longo dos anos você nunca fez, publicamente, nenhum comentário depreciativo sobre o Damien ou a atitude dele. Quanta classe... Eu, em vez de criticar o cara, devia era agradecer. Afinal, ao te dispensar, ele nada mais fez do que te impulsionar em direção à carreira solo — da qual fiquei sabendo quando ouvi o seu primeiro single Lille, uma graciosa canção sobre (surpresa!) seguir em frente após uma separação. Ela era ilustrada por um vídeo com cenas suas folheando livros pop-up tão incrivelmente elaborados que pareciam de mentira.

Com o seu álbum de estreia, Sea Sew [2008], finalmente pude constatar que baita compositora você é, capaz de escrever músicas bem distantes do tom sombrio típico do seu antigo parceiro, empregando cores tão encantadoras quanto as dos seus vestidos pra criar joias como a cantiga de ninar Splishy Splashy, a envolvente Keep It All, a onírica Courting Blues e a singela Venn Diagram (inclusive, a nerdice desse último título lhe rende pontos extras, mocinha). E o bom gosto? Os arranjos recheados de violões, piano, contrabaixo acústico, cello, bandolim, ukulele, harmonium, trompete e outros sons bonitos só realçam o quão sublime é a sua voz. Mas a faixa que mais me pegou foi I Don't Know — pra mim, a melhor tradução da bobeira que é se apaixonar, em versos como: "Eu não sei se você dirige, ou se ama o chão debaixo de você. Eu não sei se você escreve cartas, ou se entra em pânico no telefone. Eu gostaria de te ligar mesmo assim. Se você quiser, eu topo". Não tenho vergonha de dizer que até hoje deixo escapar um sorriso derretido quando chega a parte do "você não sabe se eu durmo de conchinha, ou se durmo mesmo — ou talvez você saberia, talvez saberia". E durante algum tempo, eu não conseguia parar de escutar essa música, ainda mais quando saiu o vídeo: você e a sua banda redecorando um ambiente sem graça com os recortes de cartolina concebidos pela sua conterrânea, a designer Maeve Clancy (a mesma responsável pelos impressionantes pop-ups do clipe de Lille).

A propósito, o seu esmero com a parte estética é mais uma das virtudes que me encantam. Gosto muito da capa de Sea Sew, um bordado que você mesma fez, bem como a do segundo álbum — o ainda mais cativante Passenger [2011] —, que traz um mapa (também criação sua) mesclando os três lugares nos quais a maioria das novas canções foi escrita: Dublin, Brooklyn, em Nova York, e Baltimore, pequena vila de pescadores na Irlanda. Os videoclipes são, pra variar, excelentes, e combinam perfeitamente com o clima de cada faixa: o frenesi de Knots com o banho de tinta (que você espirituosamente reproduziu durante um show na capital irlandesa), a agitação de What'll I Do com o passeio de montanha-russa (acho uma graça quando você não aguenta e para de dublar), a evocação da faixa-título com as cenas da turnê (ei, quando é que você vai vir tocar por aqui?). Aliás, me agrada muito esse conceito de "jornada" que perpassa todo o repertório do álbum — o constante dilema entre ímpeto e saudade, exemplificado por músicas como A Sail (uma das mais bonitas que você já compôs), o dueto com o norte-americano Ray LaMontagne em O Sleep (inspirada na versão do dr. Ralph Stanley pro hino O Death... Sério, você é cool demais), e Safe Travels (Don't Die), com participação do Glen Hansard (soube que vocês fizeram alguns shows juntos este ano, e quase morri quando te ouvi cantando Falling Slowly com ele).

Viu só? Já te conheço um pouquinho — e adoraria saber do resto. De minha parte, sei que não tenho tanto assim pra te oferecer, a não ser, talvez, a possibilidade de você tirar férias no Brasil; o companheirismo durante as excursões nas quais eu puder ir; o compromisso de, nas demais turnês, quando você voltar pra Irlanda, eu estar lá pra te receber com um pint de Guiness ou uma xícara de chá (primeiro o saquinho e depois a água quente, certo?); a promessa de tentar me dar bem com os seus amigos (com o Glen, pelo menos, é certeza) e não odiar o seu ex (bem, eu adoro os discos do cara...).

E uma certeza: você nunca poderá dizer que eu não te escuto.


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